Saúde mental

Adolescentes LGBTQIA+ encontram apoio em grupos terapêuticos do Capsi Cirandar

26/06/2022 | 11:00 | 1585

Quadros de ansiedade e depressão são comuns entre os adolescentes que procuram acompanhamento terapêutico no Centro de Atenção Psicossocial Infantil (Capsi) Cirandar, no Roger, da rede municipal de saúde de João Pessoa. Em muitos dos casos, os sintomas são causados pela falta de aceitação dos familiares e da sociedade em relação à identificação de gênero e orientação sexual desses jovens, que encontram no serviço um local de acolhimento e recuperação de sua autoestima.

Entre esses jovens está Eli (nome fictício), que tem 15 anos e conheceu o Capsi há aproximadamente dois anos, em decorrência de crises de ansiedade. “Minha mãe não me aceitava como eu sou. Eu sinto interesse por meninos, mas também sinto interesse por meninas. Contei pra minha mãe e ela não aceitou”, lembrou a adolescente.

Gael (nome fictício), de 17 anos, participa do mesmo grupo terapêutico de Eli e suas histórias são parecidas. “Há três anos, eu contei pra minha mãe que me atraio por meninos e ela veio buscar ajuda. Ela disse que era falta de Deus”, contou o adolescente, que já sofria preconceito na escola, por conta de sua sexualidade.

De acordo com Hediley Silva, psicóloga do serviço, o preconceito praticado contra as pessoas LGBTQIA+ é a violência mais frequente sofrida pelos adolescentes usuários do Capsi Caminhar. “As violências são a grande motivação do adoecimento dos usuários e, em alguns casos, desejo de morte. Muitas dessas pessoas não têm o transtorno de depressão, mas estão em ambiente de preconceito e violação de direitos, o que acaba por desenvolver sintomas como ansiedade, choro, desmotivação e isolamento social”, afirmou a psicóloga, que conduz um dos grupos terapêuticos com adolescentes de 14 a 18 anos.

Chegando ao serviço, as crianças e adolescentes passam por uma escuta qualificada, a partir da qual serão encaminhados para o acompanhamento e terapias mais indicadas para o seu caso. Algumas terapias são individuais e outras são realizadas em grupos semanalmente, com o apoio profissional de psicólogo e oficineiro.

No local, são oferecidos atendimentos de psicologia, psiquiatria, serviço social, terapia ocupacional, educação física, oficinas terapêuticas, práticas integrativas, nutrição, enfermagem, e dispensação de medicamentos com atendimento clínico farmacêutico. Além do acompanhamento multidisciplinar, os usuários recebem alimentação em seu horário de atendimento.

“Nosso trabalho é baseado na demanda do usuário, é o que o adolescente nos traz dentro do que está acontecendo com ele. Então trabalhamos por meio de oficinas que podem ser desenhos, pinturas, recortes, artesanato e outras atividades. Durante essa construção, nós abordamos muitos temas relacionados aos adolescentes, portanto gênero e sexualidade estão sempre em pauta, pois sempre há alguém que está passando por algo relacionado a isso, principalmente com os pais”, explicou Hediley Silva.

Lara (nome fictício), 17 anos, é uma das adolescentes do grupo conduzido pela psicóloga. Ela contou que procura levar à terapia situações de seu cotidiano. “Já venho ao Capsi há alguns anos e o que me trouxe aqui não foi minha sexualidade, mas depois veio meu processo de descoberta e não aceitação da família. Posso levar um namorado em casa, mas uma namorada eu não posso levar”, disse.

Participação da família – O coordenador de Saúde Mental da rede municipal de Saúde, Jean Paulo Dantas, ressalta a importância da participação da família no processo terapêutico do adolescente. Para isso, o serviço oferece assistência também para os familiares, por meio de acolhimento e oficinas terapêuticas.

“Trabalhamos de forma integrada, tanto a parte psicológica quanto a parte física e procuramos buscar os detalhes, pois às vezes os adolescentes não contam o que estão sentindo, mas nas terapias eles se abrem e se transformam. A partir daí, é que buscamos realizar esse trabalho com os pais”, afirmou a especialista.

“Procuramos a melhor abordagem para tratar sobre isso com os pais, tentamos ser muito delicados, porque acaba que muitas vezes a discussão desse tema faz com que esses pais se afastem do serviço, prejudicando o tratamento dos adolescentes, pois acham que estamos ensinando algo a eles. Faz parte do nosso trabalho fortalecer esses adolescentes e mostrar a eles e seus familiares que isso não é uma doença ou algo errado”, destacou a psicóloga Hediley Silva.

O trabalho desenvolvido no Capsi tem ajudado no relacionamento entre Eli e sua mãe. “Aqui me sinto muito bem e hoje posso falar com minha mãe sobre sexualidade e sobre muita coisa. Sei que isso ainda é um tabu pra ela, porque viemos de um lugar onde ser como eu sou é errado. Mas se antes a gente tivesse a comunicação que temos hoje, teria me ajudado muito”, contou Eli.

Para Gael, a aceitação familiar em relação à sua sexualidade ainda não aconteceu, mas ele encontra no Centro um local de acolhimento. “Vencer essa barreira traz segurança pra gente. Muitas vezes, nós não nos sentimos confortáveis nos ambientes para ser quem somos, mas aqui no grupo eu me sinto totalmente confortável para expressar o que penso e o que sinto”, afirmou Gael.

Serviço – O Capsi Cirandar integra a rede de atenção psicossocial do município e, atualmente, atende mais de 580 usuários na faixa de 3 a 18 anos de idade, com algum transtorno mental ou uso abusivo de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas).

Para ter acesso ao atendimento, o responsável pela criança ou adolescente pode procurar o serviço diretamente, de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h, na Avenida Gouveia Nóbrega, s/n, em frente ao Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), no Roger. É necessário levar os documentos pessoais do responsável, cartão SUS da criança ou adolescente e um comprovante de residência em João Pessoa. Em caso de dúvidas, o público pode entrar em contato através do número de telefone: 3214-3333.

Oficinas – A Coordenadoria de Promoção da Cidadania LGBT e Racial da Prefeitura de João Pessoa realiza oficinas de capacitação para os servidores dos serviços da rede municipal de saúde acerca das particularidades da população LGBTQIA+. O Capsi Cirandar foi um dos serviços contemplados pela oficina, além dos Centros de Práticas Integrativas e Complementares (CPICS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA). O trabalho é realizado em parceria com o Projeto Resisto, oriundo do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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